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Este blog é dedicado ao estudo de Direito Civil e Processual Civil. Serão postados, artigos, resumos, atualizações legislativas e jurisprudenciais, além de exercícios de atualização dos temas relacionados às disciplinas. O blog também é um meio de comunicação com meus alunos. Sugiro a visita permanente.







sexta-feira, 9 de julho de 2010

Recordando - Antecipação dos efeitos da tutela

1. Considerações iniciais


Uma das principais alterações havidas no sistema processual brasileiro, por conta da recente Reforma de 1994 foi, sem dúvida, a adoção do instituto da antecipação de tutela. Como corolários do caráter instrumental dos processos, como instrumentos de composição de litígios, aplicando aos casos concretos o direito pleiteado, de acordo com a decisão judicial, são previstos institutos que visam a garantir ou antecipar os efeitos concretos que seriam atribuídos às decisões finais dos feitos, como forma de outorgar efetividade aos procedimentos levados ao seu final pelo Judiciário, pois, com efeito, não se tratam de fins em si mesmos. Assim é que, regulamentada pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, com as modificações no instituto operadas, notadamente pela Lei n. 10.444/02, surge a tutela antecipada, instituto que ao lado da tutela cautelar compõe o gênero tutela de emergência. É costume se afirmar que justiça tardia é injustiça e, diante disso, antecipar os efeitos da tutela pode ser uma alternativa, criada pelo sistema, para que a parte tenha seu direito garantido. É possível afirmar, então, que a antecipação dos efeitos da tutela, disciplinada no art. 273 do CPC é uma das formas de expressão da garantia de acesso à justiça no plano da normatização infra-constitucional.

2. Origem do instituto

A tutela antecipada só passou a ser tratada, de forma ampliada e de aplicação genérica, pelo Código de Processo Civil, a partir de 1994. Isso fez com que alguns doutrinadores viessem a afirmar que o instituto da tutela antecipada foi criado no Brasil somente nesse período. Com efeito, as referidas lições preconizadas por parte da doutrina não merecem acolhida, pois mesmo antes de 1994 já havia previsão legal de liminares com natureza de tutela antecipada, por conferir ao beneficiado efeitos substanciais do provimento final (todavia, não com essa denominação) em situações específicas para algumas ações de rito especial, a exemplo dos alimentos provisórios. Assim, tem-se como principal inovação do artigo 273 do Código de Processo Civil, com suas ulteriores modificações operadas pela Lei n. 10.444/02, a extensão da tutela antecipada a qualquer modalidade de ação de conhecimento.

3. Diferença e semelhanças entre Tutela Antecipada e Tutela Cautelar

Percebe-se, de logo, a profunda diferença entre as providências que objetivam apenas garantir a “justiça” e a eficiência prática da futura sentença, e aquelas providências que antecipam, integrando-o no patrimônio jurídico do autor exatamente (no todo ou em parte) aquele bem da vida postulado pelo demandante. Uma coisa é proteger, mediante processo autônomo, a eficiência da sentença a ser proferida em outro processo, dito principal. Coisa substancialmente diversa é realizar desde logo, embora provisoriamente, a pretensão contida no processo principal. As primeiras são cautelares; as segundas, revestem-se de natureza satisfativa. As cautelares dão apoio ao processo, as antecipações, às pessoas. Ao conceder a tutela antecipada, o Juiz satisfaz provisoriamente a pretensão material do autor. Logo, é forçoso concluir de antemão que a tutela antecipada tem sempre natureza satisfativa, ao contrário do que ocorre com a tutela cautelar, que possui natureza meramente assecuratória e protetiva. Tanto a medida cautelar propriamente dita como a medida antecipatória representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária, adotadas em caráter provisório. A antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação principal. Já a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso. As liminares concedidas em ação cautelar, notadamente após a ampliação do instituto da tutela antecipada, operada com a reforma de 1994, de acordo com a doutrina só podem ter natureza cautelar, de cunho eminentemente protetivo. Já a liminar no processo de conhecimento, tem o condão de, ao menos por via de regra, antecipar os efeitos substanciais da sentença final, conforme dito, isto é, proceder a modificações, desde logo, no campo fático. Logo, tem natureza de verdadeira tutela antecipada e, como tal, devem ser regidas.

4. Requisitos da Tutela Antecipada (CPC, art. 273).

A tutela antecipada, já existente em ações de cunho específico no Código de Processo Civil, mesmo antes da mini-reforma de 1994 que, por sua vez, a ampliou, sofre nova extensão em seus institutos, operada pela Lei n. 10.444/02. Esta última lei imprimiu ao processo maior efetividade, visto que com a concessão da tutela antecipada os resultados buscados pelo autor (na esfera fática) são alcançados com maior brevidade, por força da antecipação da tutela jurisdicional. Há grande discricionariedade por parte do magistrado, pois decide com cognição limitada à tese de uma das partes. Apresentam-se como requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipada:

a) prova inequívoca que convença o juiz da verossimilhança do direito alegado (caput);

b) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I);

c) abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (inciso II);

d) Inexistência de risco de irreversibilidade do provimento antecipado (§ 2º).

e) requerimento da parte (caput)

a) Da Prova inequívoca e da Verossimilhança da alegação

Segundo o art. 273, caput, para que seja concedida a antecipação é preciso que o juiz, “existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”. Prova inequívoca será aquela que apresente alto grau de convencimento, afastada qualquer dúvida razoável, ou em outros termos, cuja autenticidade seja provável. Para Ernane Fidelis, a expressão prova inequívoca não implica prova pré-constituída, mas sim aquela que permite, por si só, ou, em conexão necessária com outras também já existentes, pelo menos em juízo provisório, definir o fato, isto é, tê-lo por verdadeiro. Verossímil é o que parece verdadeiro; que tem probabilidade de ser verdadeiro; plausível, que não repugna a verdade. Esse requisito, em seu conceito jurídico-processual, é entendido como mais intenso do que o requisito “fumaça do bom direito” (fumus boni juris), exigido para concessão da tutela cautelar, uma vez que a tutela antecipada é medida mais efetiva do que a cautelar (traz maiores efeitos na esfera dos fatos); mas não é preciso chegar a uma evidência indiscutível. Vale ressaltar que o “juízo de verossimilhança” supõe não apenas a constatação pelo juiz relativamente à matéria de fato exposta pelo demandante, como igualmente supõe a plausibilidade na subsunção dos fatos à norma de lei invocada, conducente, pois, às conseqüências jurídicas postuladas pelo autor. Portanto, para sua concessão, deve o juiz considerar as alegações plausíveis, e não apenas prováveis e, dessas alegações, deve a parte fazer prova satisfatória. Além de serem requisitos a plausibilidade do pedido, bem como a prova inequívoca do direito pleiteado, necessária a presença de uma das situações abaixo mencionadas, arroladas nos incisos I e II do artigo 273 do diploma processual civil:


b) Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

Nesse caso, uma vez mais, guarda semelhança com a tutela cautelar; ao autor cabe demonstrar que existe perigo na demora da concessão do provimento pleiteado, isto é, deve demonstrar que a demora na obtenção do provimento poderá causar-lhe prejuízo que seja irreparável, ou, no mínimo, de difícil reparação; denominado, em latim, periculum in mora. O receio que a lei prevê traduz a apreensão de um dano ainda não ocorrido, mas prestes a ocorrer, pelo que deve, para ser fundado, vir acompanhado de circunstâncias fáticas, a demonstrar que a falta de tutela dará ensejo à ocorrência do dano, e que este será irreparável ou, pelo menos, de difícil reparação. O fundado receio, assim, será invocável com base em dados concretos, que ultrapassem o simples temor subjetivo da parte.

c) Abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu

Caso o réu faça uso de subterfúgios visando a impedir ou dificultar a decisão da causa; buscando, exclusivamente, ganhar tempo. Nesse caso, a antecipação tem quase um caráter punitivo, com intento de coibir a utilização incorreta dos direitos afetos ao princípio do contraditório. O abuso de direito pode revelar-se também no uso protelatório de recursos previstos em lei, sempre que a jurisprudência se firmar em determinado sentido nas Cortes Superiores, mormente através de orientação sumulada, e o demandado insista em negar, através de contestações estereotipadas, o direito do autor. O manifesto protelatório do réu pode inclusive configurar-se através de conduta temerária, mesmo extraprocessual, dele ou de seu advogado, como a reiterada retenção dos autos por tempo delongado, o fornecimento de informações errôneas, com o fim de retardar intimações, a criação de embaraços à realização da prova pericial etc. Notemos, outrossim, que o art. 273, II, poderá, com freqüência, ser aplicado quando o processo chegar ao tribunal de apelação, momentos em que se poderá auferir se está havendo abuso do direito de defesa ou manifesto protelatório.

d) Da irreversibilidade do provimento

No momento da apreciação do pedido, para decidir quanto à concessão ou não da tutela antecipada, o juiz deve nortear-se pelo princípio da proporcionalidade, ou seja, deve verificar as possíveis conseqüências da concessão ou não da tutela antecipada, apreciando a proporção entre elas. A teor do que dispõe o parágrafo 2º do artigo 273, “não se concederá a antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”, isto é, devem ser vedados provimentos que possam se tornar irreversíveis. Cumpre registrar que este requisito negativo, ou seja, a inexistência de risco de irreversibilidade do provimento antecipado, deve ser interpretado relativamente, com parcimônia, ou, nas lições do eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira, “cum granu salis”. Além disso, não se pode distanciar do princípio da proporcionalidade, como acima mencionado. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, o risco da irreversibilidade dos efeitos da medida antecipatória pode ser afastado, em muitos casos, se uma caução for prestada e com isso ficar assegurada a possibilidade de retorno ao statuo quo ante em caso de o requerente da medida não ter razão afinal. Pro fim, a irreversibilidade não se refere propriamente ao provimento antecipatório, mas sim aos efeitos do provimento. O provimento, em si mesmo, como decisão judicial passível de recurso e que pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo (art. 273, § 4º), é eminentemente reversível, quer porque, proferida a sentença de mérito, irá esta, se procedente a demanda, implicar subsunção dos efeitos antecipados. Assim, a provisoriedade é sucedida pela definitividade, e a suposta apelação desta sentença será recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, VII); se improcedente a demanda, terá desaparecido o juízo de verossimilhança, e destarte, a AT será cassada, e o “statuo quo ante” restabelecido, com a decorrente responsabilidade objetiva do autor pelos prejuízos que a efetivação de tal providência tenha causado ao demandado ao final vitorioso. Portanto, para o juiz deferir a antecipação da tutela, deverá restar convencido de que, o quadro demonstrado pelo autor, caracteriza, por parte do réu, abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, ou, independentemente da postura do réu, haja risco iminente para o autor, de dano irreparável ou de difícil reparação, antes do julgamento de mérito da causa. Concedida ou denegada a AT, “prosseguirá o processo até o final julgamento” (art. 273, § 5º). Esta norma do § 5º apenas reforça algo inerente à antecipação de tutela: sua provisoriedade. Se definitiva fosse a satisfação do autor, não teria sentido prosseguir no processo. Fica evidente, destarte, que a concessão da tutela não convola o processo em caso de ação de rito sumário com realização plena do direito material.

5. Momento oportuno para concessão da tutela antecipada

De acordo com o art. 273, caput, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial”. Depreende-se, portanto, da leitura do citado dispositivo que não é dado ao juiz conceder ex officio a tutela antecipada, mas, somente, se a parte assim o requerer. O autor poderá, nos casos referidos no art. 273, I, do CPC, requerer a AT na própria petição inicial, necessariamente expondo a ocorrência dos pressupostos autorizadores da medida; se premente a urgência, decidirá o juiz “in limine litis” e “inaudita altera pars”, na própria oportunidade em que aceita a petição inicial. No caso de abuso de direito de defesa (art. 273, II), só pode ser pedida a tutela antecipada após o oferecimento da resposta do réu; só excepcionalmente, o manifesto protelatório pode ser invocado já na inicial, sob a afirmação de má conduta pretérita do demandado. O Código de Processo Civil não previu a possibilidade de audiência de justificação para a concessão de tutela antecipada, mas isso é perfeitamente admissível. A tutela antecipada pode ser requerida no curso da ação e até mesmo na fase de sentença, desde que a apelação tenha efeito suspensivo, pois, se não tiver, já poderá o autor executar a sentença (art. 520). Do ponto de vista prático, a concessão da antecipada na fase da sentença equivale a, praticamente, atribuir eficácia imediata à sentença, obtendo-se o reconhecimento da eventual apelação no efeito apenas devolutivo, ou seja, significa dar ao juiz o poder de tirar da apelação o efeito suspensivo.
6. Observações Gerais em Sede de Tutela Antecipada

a) Dos legitimados a requerer a antecipação da tutela

A antecipação de tutela será apreciada “a requerimento da parte”, ou seja, da parte que formulou o “pedido inicial” (art. 273, caput). Assim, pode ser requerida pelo autor; pelo reconvinte, que na reconvenção é autor; a requerimento do opoente, autor na ação de oposição; pelo autor, contra o réu originário e os chamados ao processo. Também podem requerer a antecipação da tutela os intervenientes, como o assistente litisconsorcial, e ainda o Ministério Público quando presente como “custos legis” e a benefício da pessoa assistida ou protegida. Nas ações dúplices (possessória, renovatória, divisória, demarcatória) a AT também pode ser postulada pelo réu. Não se cuidando de ação dúplice, parece pouco compatível com o sistema admitir a AT a benefício do réu: trata-se de instituto que visou exatamente redistribuir os ônus do tempo no processo, evitando corra em prejuízo do autor. Considerando-se que a natureza jurídica da reconvenção é de ação, o pedido de tutela antecipada por meio deste veículo não encontra qualquer restrição. A possibilidade de concessão de tutela antecipada em sede de denunciação da lide está vinculada à existência deste mesmo pedido na ação principal. Em sede de execução, a antecipação de tutela não é cabível. Tal instituto perde o objeto, uma vez que na fase de execução o que se visa é a satisfação do exeqüente. Portanto, não há mais o que antecipar.

7. Da Incontrovérsia de um ou mais pedidos cumulados (§ 6º do artigo 273).

Com relativa freqüência, ao apresentar sua contestação o réu impugna apenas parte do pedido: formulado o pedido de indenização por R$ 10.000,00, o réu apenas contesta a parcela de R$ 4.000,00, reconhecendo implícita ou explicitamente como devida a parcela restante de R$ 6.000,00. Sustenta Marinoni ser injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido. Com efeito, dispõe o § 6º do artigo 273 do diploma processual: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. O § 6º do artigo 273, ao prever a possibilidade de concessão de tutela antecipada quando, entre os pedidos cumulados, houver pedido incontroverso, quebra a dogmática tradicional do instituto, ao afastar o arraigado modelo de tutela embasada na plausibilidade e no receio de ineficácia do provimento final, fazendo, de acordo com recente doutrina ainda não sedimentada, conviver dois princípios que, no modelo anterior, pareciam confrontar-se, quais sejam, o princípio da eventualidade, também entendido como concentração da defesa, e o princípio do contraditório, que prevê a ciência bilateral dos termos do processo, com possibilidade de exercício de defesa. Com efeito, esses pedidos considerados incontroversos, porque não atacados, serão submetidos à efetivação da tutela, e essa, pelo menos em tese, deverá, a depender da obrigação, seguir, no que couber, os preceitos da execução provisória (art. 588). Na realidade, a previsão de antecipação de tutela quanto aos pedidos incontroversos decorre de imperativo lógico: não tendo havido impugnação do pedido, presume-se que restem aceitos e que sejam verdadeiras as afirmações da outra parte.

8. Fungibilidade do Pedido Cautelar e Antecipatório

Com a Lei 10.444/02, uma série de modificações foi inserida no ordenamento jurídico. Dentre as quais, surge a fungibilidade do pedido cautelar e antecipatório, o que permite ao juiz conceder medida cautelar mesmo que pleiteada a título de antecipação de tutela. Tal possibilidade é vislumbrada em decorrência da inserção do § 7º ao artigo 273 do Código de Processo Civil: “§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. Como acima mencionado, o § 7º do artigo 273 inova ao tornar possível a fungibilidade entre o pedido de tutela antecipada equivocado e a tutela cautelar, permitindo, destarte, a proteção de direitos da parte. Portanto, ainda que sejam levados pedidos cautelares de forma errônea a juízo, revestidos impropriamente de pedido antecipatório substancial, e não protetivos, por erros dos respectivos patronos, o juiz pode utilizar-se do princípio da fungibilidade. Há discussão na doutrina, se haveria ou não a possibilidade de aplicação do princípio ao inverso.

Texto inspirado na doutrina do professor Humberto Theodoro Júnior Curso de Direito Processual Civil, Editora Forense

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude

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